Uma traição abençoada

Max Brod, na intimidade da amizade, aceita carregar o fardo pesado de ser o executor testamentário de Franz

O tempo histórico cega a lâmina da consideração moral. Ainda quando não estamos perante um crime dos piores, há elementos para afirmarmos que esta é uma história de uma traição. Os fatos básicos são simples e não há elementos suficientes para um filme noir nem para uma série de detetives ao estilo de Netflix.

Dois amigos, quase da mesma idade, duas carreiras paralelas, mas também entrelaçadas. Muito respeito compartilhado, duas almas literárias. Franz e Max. A vida quis que Franz estivesse doente, na última e mortal fase da tuberculose que ia dar cabo da sua existência terrestre. Max, na intimidade da amizade, aceita carregar o fardo pesado de ser o executor testamentário de Franz.

Praga, 1924: Franz falece. Não é nenhum “Zé Francisco”, trata-se de Franz Kafka, e não há no mundo uma pessoa que mais admire a sua obra do que o Max, Max Brod, escritor, dramaturgo, compositor, amigo de mais de 20 anos, uma amizade que se consolidou já nos dias em que estudaram na Universidade Carolina em Praga. Kafka visitava a casa dos pais de Brod, e foi ali que conheceu Felice Bauer, a sua eventual namorada, e prima do cunhado de Max Brod.

O pedido de Franz é simples, e complicado: Max tem de queimar os manuscritos de Kafka. Eis uma subtil diferença. Max já sabe que Franz está fadado, mas que será o grande Kafka, e que na sua morte começa a eternidade. Max Brod comparava Kafka com as maiores figuras da história da literatura, o considerava o maior escritor da sua geração e um tesouro da Humanidade. O último pedido de Franz foi para queimar todos os manuscritos de obras não publicadas na sua vida. Grande ironia, porque algumas das suas publicações foram conseguidas com a ajuda de Brod, que promovia a obra do seu genial amigo. Seja como for, o pedido ficou gravado nos céus da cultura mundial. Tanto o pedido quanto o seu incumprimento. Brod não queimou os manuscritos. Ainda mais: ocupou-se de salvaguardar o espólio todo, integrando os materiais de Kafka no seu arquivo pessoal, que saiu com ele de Praga ao último momento, em 1939, ou seja, quando a Checoslováquia já havia sido ocupada pela Alemanha nazista.

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